Dr. Paulo Mota

ADOÇÃO E DESADOÇÃO.
EFEITOS DA DESADOÇÃO

''Desadoção'': o lado oculto da adoção e seus efeitosjurídicos
A adoção é, em regra, um gesto de amor e responsabilidade.Quando uma criança ou adolescente é acolhido por uma nova família, abre-se apossibilidade de um futuro mais estável, com afeto, proteção e pertencimento.No entanto, o que acontece quando esse vínculo, uma vez formalizado, édesfeito? Esse fenômeno, ainda pouco debatido publicamente, tem nome: desadoção.
Embora o termo "desadoção" não esteja formalmenteprevisto na legislação brasileira, a prática existe, e seus efeitos jurídicossão relevantes. A desadoção representa o rompimento do vínculo jurídico entreadotante e adotado, o que pode ocorrer por iniciativa de uma das partes ou pordecisão judicial — quase sempre em situações de conflito grave, abandono,maus-tratos ou descumprimento dos deveres parentais.
Adoção: um vínculo irrevogável?
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece quea adoção deve ser irrevogável e fundada no melhor interesse da criançaou do adolescente. Isso significa que, uma vez concluído o processo judicial deadoção, cria-se um vínculo jurídico equivalente ao de uma filiação biológica.
Contudo, na prática, a realidade é mais complexa. Nosúltimos anos, vêm surgindo casos em que pais adotivos pedem judicialmente a"anulação" ou "desconstituição" da adoção. Em alguns dessescasos, o Judiciário acolhe os pedidos, sobretudo quando se verifica abandono ouausência de vínculo afetivo, e quando não houve, desde o início, o cumprimentodo papel parental.
Quando ocorre a desadoção?
A desadoção pode ocorrer principalmente nas seguintessituações:
- Adolescentesadotados em idade avançada, quando há dificuldade de adaptação erejeição recíproca.
- Problemasde comportamento não compreendidos ou aceitos pela família adotiva.
- Adoçõespor conveniência, onde o objetivo era obter benefícios (como pensões,heranças ou programas sociais).
- Abandonodo adotado pelos pais adotivos, por falta de vínculos afetivos reais.
Importante destacar que, mesmo em casos graves, o Judiciárioanalisa com extremo cuidado os efeitos dessa ruptura. A prioridade legal emoral continua sendo a proteção integral do adotado, sobretudo quandoele é menor de idade.
Efeitos jurídicos da desadoção
Os principais efeitos jurídicos da desadoção incluem:
- Extinçãoda filiação civil: perde-se o status jurídico de filho, com reflexosdiretos no nome, registro civil e herança.
- Perdade direitos sucessórios: o adotado deixa de ter direito à herança dospais adotivos, e vice-versa.
- Alteraçõesno registro civil: o nome pode ser revertido, principalmente se aadoção foi recente.
- Reintegraçãoao sistema de acolhimento: no caso de menores, podem retornar à filade adoção ou a abrigos.
- Responsabilizaçãocivil: pais que abandonam o adotado podem ser processados por danosmorais ou materiais, além de perderem a guarda ou o poder familiar.
O debate ético e social
Especialistas apontam que a desadoção escancara falhas noprocesso de adoção, especialmente na preparação e acompanhamento das famíliasadotivas. Muitas adoções ocorrem sem que os adotantes estejam emocionalmenteprontos para os desafios que podem surgir.
"A desadoção, apesar de juridicamente possível em casosextremos, representa um fracasso da sociedade como um todo — do sistema deproteção, das políticas públicas e, muitas vezes, do próprio núcleofamiliar", afirma a defensora pública Maria Clara Silva, que atua na áreada infância e juventude.
Conclusão
Enquanto a adoção deve sercelebrada como um gesto nobre de amor e responsabilidade, a desadoção nosobriga a refletir sobre os limites desse compromisso e a importância detratá-lo com a seriedade que merece. Mais do que um processo legal, adoção éuma decisão de vida — e quando esse pacto é rompido, as consequências jurídicase emocionais recaem, quase sempre, sobre os mais vulneráveis.